A humanização do ambiente profissional
“Coisas extraordinárias começam a acontecer quando trazemos o que somos para o trabalho. Cada vez que deixamos um fragmento de nós para trás, nos separamos do nosso potencial, da nossa criatividade e da nossa energia.” (Frederic Laloux)
O ambiente profissional, no meu entendimento, pode ser definido como um espaço onde as pessoas interagem entre si e com a estrutura na qual estão inseridas, para a realização do trabalho. Neste contexto, podem ser desenvolvidas relações hierárquicas ou não, depende muito de cada organização, apesar da maioria ser estruturada hierarquicamente. Considerando este ambiente, as organizações esperam uma “postura profissional” das pessoas. Mas afinal, o que seria isso? Quais comportamentos estão por trás dessa expectativa?
Durante a minha trajetória na área de pessoas, eu sempre ouvi, de lideranças e profissionais de RH, que as pessoas precisavam apresentar uma postura profissional para ingressar na empresa ou assumir uma nova posição. Na maioria das vezes, por trás dessa narrativa, estava implícito que era necessário seguir um determinado padrão de comportamento como, estilo de apresentação pessoal (isso quando não exigiam uso de uniformes) e maneira de se comportar em uma reunião, por exemplo. Na medida que comecei a me questionar sobre o porquê de determinadas exigências, percebi que muitas delas traziam justificativas que não se sustentavam, pois ficava evidente que carregavam definições feitas de acordo com as perspectivas e crenças de quem criava ou validava as políticas e normas da empresa, muitas vezes de forma preconceituosa e não inclusiva.
Organizações são formadas por pessoas e para pessoas
Atualmente, percebo que muitas organizações ainda esperam que as pessoas se posicionem de forma racional, objetiva e pragmática no trabalho. Demonstrar emoções ainda é visto como sinal de fragilidade, sinônimo de incapacidade, principalmente para assumir posições de liderança. E como socialmente ainda foi construído um estereótipo de que as mulheres possuem mais habilidade com atividades que exigem cuidado, são mais sensíveis e “multitarefa”, o resultado é o que observamos hoje: a maioria das posições de liderança ainda são ocupadas por homens brancos, cis, heteros e sem deficiência, principalmente os cargos mais altos. Apesar dessa diferença sexista e binária construída entre homens e mulheres, e que ainda invisibiliza pessoas com deficiência, pretas, indígenas, trans e não binárias (que são minorizadas e até impedidas de acessar esses espaços), temos um ponto em comum: a expectativa de separação da “vida pessoal e profissional” e a busca por um equilíbrio entre elas, como se fosse possível fragmentar quem somos.
“As pessoas geralmente sentem que precisam desligar parte de quem são quando se vestem para o trabalho pela manhã. Elas colocam uma máscara profissional, de acordo com as expectativas do local de trabalho(…), exibindo determinação e força, escondendo dúvidas e vulnerabilidade.” (Frederic Laloux)
Demonstrar vulnerabilidade pode ser um ato de coragem
Quando você não está se sentindo bem emocionalmente ou com alguma indisposição para trabalhar em determinado dia, você se sente confortável para se reorganizar e comunicar à sua liderança que precisa se ausentar? Por outro lado, se você está em uma posição de liderança e recebe um comunicado como este, qual é a sua primeira reação? Pensa imediatamente no trabalho que precisará ser redirecionado para que a entrega, que não pode esperar, seja realizada, ou se preocupa primeiro com o estado de saúde dessa pessoa? Daria tranquilidade para ela se ausentar, ou já pediria a apresentação de um atestado médico para que seu dia não seja descontado? E quando você, liderança, não está bem? Sente-se à vontade para compartilhar com o seu time?
“Nós desenvolvemos a velocidade, mas nos enclausuramos nela. O maquinário que produz abundância deixa-nos na penúria. Nosso conhecimento nos deixou cínicos, nossa inteligência, duros e cruéis. Pensamos muito e sentimos pouco. Mais do que maquinário, precisamos de humanidade; mais do que inteligência, precisamos de bondade e gentileza. Sem essas qualidades, a vida será violenta e tudo estará perdido.” (Charles Chaplin)
Falamos muito em se mostrar vulnerável para se conectar às pessoas, deixar emergir as características e necessidades humanas, mas sabemos que na prática, ainda existe um longo percurso para que isto se torne realidade em muitas organizações. Principalmente em culturas que romantizam e valorizam o excesso de trabalho, por exemplo. Talvez você já tenha ouvido em algum momento: “Essa pessoa merece uma promoção, pois está sempre disponível para a empresa, incluindo feriados e finais de semana” ou “Estou avaliando a continuidade dessa pessoa no time, porque sempre que acontece algo com o filho dela ela precisa se ausentar para dar assistência”. Será que estas organizações estão preparadas ou interessadas em lidar com a complexidade de forma não linear? Sabemos que cada pessoa é única e, portanto, da mesma forma que gera valor para a organização com a sua singularidade, também possui necessidades diferentes, como bem nos lembra a pirâmide de Maslow. Algumas pessoas têm o trabalho como fonte para suprir, exclusivamente, suas necessidades básicas ou fisiológicas, enquanto outras encontram-se em um nível que já buscam auto realização e tem o privilégio de encontrá-la também no trabalho. A relação que as pessoas estabelecem entre si mesmas, com o que fazem e com o ambiente em que estão inseridas pode ser motivo tanto de satisfação, quanto de adoecimento.
“Você pode avaliar uma organização pelo número de mentiras que precisa contar para fazer parte dela” (Parker Palmer)
Desde o início da pandemia, vejo algumas empresas criando novos cargos, realizando novas contratações, adquirindo ferramentas e serviços para cuidarem da saúde mental das pessoas. Importante este cuidado. No entanto, na prática, o que observo em muitas delas é que cada vez mais é exigido das pessoas um comprometimento extra com o trabalho. Ainda valorizam mais o número de horas trabalhadas do que as entregas que são realizadas. Muitas pessoas, inclusive, são reconhecidas e até promovidas pelo excesso de trabalho.
“Stress, ansiedade, burnout. A demanda será sempre maior do que a capacidade. Qual é o seu limite?” (Luiz Rodrigues).
Lideranças e profissionais de RH, bora transformar esse ambiente profissional em um local mais sustentável, inclusivo e saudável para todas as pessoas?
Que tal começar a entender, criticar e repensar a lógica que adoece, no lugar de tratar apenas os sintomas! Criar ambientes mais inclusivos para que as pessoas sintam-se respeitadas e seguras para se exporem como são não é tarefa fácil, mas acredito que é um excelente começo.
Por: Alaíde Neponuceno | ex-especialistas wBrain